Saúde em dia

Estudo mostra como respeitar horário das refeições pode melhorar funções cognitivas

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Um estudo francês publicado na revista científica eBioMedicine sugere que respeitar o horário das refeições pode diminuir, e até mesmo reverter, alguns dos efeitos cerebrais nocivos de uma alimentação rica em gordura e açúcar.

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A experiência sobre consumo de junk food foi feita em um laboratório da universidade de Montpellier, no sul da França.
A experiência sobre consumo de junk food foi feita em um laboratório da universidade de Montpellier, no sul da França. © Divulgação
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Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

Entre 2021 e 2022, durante 14 semanas, o neurobiologista francês Freddy Jeanneteau, diretor de pesquisa do CNRS (Instituto Francês de Pesquisa Científica), e sua equipe analisaram como a alimentação influenciava as funções cognitivas, as conexões entre os neurônios e o gasto energético.

O objetivo do estudo, realizado com camundongos em um laboratório da Universidade de Montpellier, no sul da França, era avaliar se a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos poderiam influenciar o cérebro e a memória, principalmente na adolescência.

“Nossa hipótese era que o uso das telas, principalmente celulares, acaba adiando o horário das refeições e elevando o consumo de junk food”, diz Jeanneteau.

Há poucos estudos que confirmem o efeito direto dos maus hábitos alimentares no aprendizado. Para entender os mecanismos cerebrais envolvidos no consumo de certos alimentos, a equipe estudou a reação de camundongos.

Durante oito semanas, os animais puderam comer à vontade alimentos com alto teor de açúcar e gordura. Em seguida, por quatro semanas, foram alimentados em horários fixos, durante os períodos de maior atividade biológica, e jejuaram durante o repouso.

O objetivo era entender como a alimentação, aliada ao ritmo circadiano, que é nosso relógio biológico, influenciava as capacidades cerebrais.

O resultado foi surpreendente.

Os ratos alimentados sem restrições apresentaram prejuízos na memória, com alterações nas conexões entre o córtex e o hipocampo, duas áreas cerebrais associadas à retenção de informações.

Esse efeito estava relacionado à resistência aos glicocorticoides, hormônios fundamentais para o funcionamento da memória. Já os roedores que comeram sempre no mesmo horário, de acordo com seu ritmo biológico, mantiveram o bom desempenho cognitivo, sem mudar a dieta ou a quantidade de calorias consumidas.

Os ritmos biológicos são influenciados pela atividade física, pelo sono e pela alimentação. A relação com a comida é mais complexa do que a simples comparação entre calorias ingeridas e gastas, explica o neurobiologista.

“A pesquisa revela que o relógio biológico pode ser tão importante para o funcionamento do cérebro quanto o tipo de alimentos consumidos”, conta.

O neurobiologista francês Freddy Jeanneateau.
O neurobiologista francês Freddy Jeanneateau. © Divulgação

Dados celulares

Durante o estudo, foi possível observar os efeitos da alimentação no cérebro de maneira bem mais detalhada do que em humanos.

“Os estudos com humanos utilizam questionários muito subjetivos. Além disso, a resolução dos exames de imagem atinge apenas algumas áreas do cérebro. A precisão é insuficiente para analisar o funcionamento em nível celular ou a conectividade entre diferentes tipos de células", diz.

"Nossa abordagem, utilizando camundongos, permite ir muito mais longe na precisão da imagem. Pudemos, justamente, observar os tipos de células e a conectividade entre elas”, explica.

O estudo com camundongos permite superar essas limitações, já que possibilita o acompanhamento dos indivíduos por vários meses, da adolescência à fase adulta, em uma linhagem geneticamente homogênea.

Segundo o cientista, isso torna possível registrar o desempenho cognitivo, a conectividade neuronal e a função hormonal em várias regiões do cérebro, analisando os fatores ao longo do tempo.

Os pesquisadores podem, inclusive, “controlar” o cérebro dos animais, ativando e inibindo neurônios em laboratório com técnicas específicas. “Isso não significa que não seja necessário validar os resultados em humanos, por meio de ensaios clínicos”, ressalta.

“Se comemos o quanto queremos, alteramos nosso ritmo natural de atividade e afetamos nosso sono, por exemplo. Desde o início sabíamos disso, como já foi constatado em outros estudos: uma alimentação rica em gordura e açúcar, principalmente na infância e na adolescência, repercute no desempenho cognitivo", observa.

Para confirmar a hipótese, os pesquisadores propuseram a mesma dieta ao mesmo grupo de camundongos, mas em horários fixos. “Conseguimos estabelecer uma ligação entre o funcionamento cerebral e o desempenho cognitivo em diferentes partes do cérebro, após uma reorganização do consumo de calorias. Houve uma restauração das capacidades cognitivas”, resume.

A conclusão, segundo o cientista, é que é possível atenuar os efeitos nocivos da junk food nas funções cerebrais e na memória, respeitando o ritmo das refeições durante o período de maior atividade biológica. 

Outros estudos

O cientista cita outros estudos que analisam os efeitos dos horários da alimentação nas capacidades cognitivas. Na Universidade de Bordeaux, por exemplo, pesquisadores estão conduzindo um ensaio clínico para avaliar o impacto do ritmo das refeições sobre os hormônios tireoidianos e a cognição. “A abordagem é considerada inovadora, já que há uma conexão entre os glicocorticoides e os hormônios da tireoide”, afirma.

Na Universidade de Montpellier, pesquisadores também estudam o papel do eixo córtex-hipocampo no processo de memória atencional e buscam entender como essas regiões cerebrais interagem na formação e recuperação de lembranças.

Freddy Jeanneteau também participa de um projeto conjunto entre as universidades de Harvard e Montpellier, com foco na relação entre metabolismo e saúde mental em adolescentes.

A pesquisa avalia o uso de um corpo cetogênico, substância naturalmente produzida pelo organismo durante o jejum, como suplemento alimentar. O objetivo é estimular uma mudança no metabolismo que possa ter efeito positivo contra a depressão.

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